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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Arte Contemporânea

Caminho das Pedras: A arte da proximidade

Cacilda Teixeira da Costa especial para a Folha de S.Paulo

Entrar numa galeria ou numa grande exposição de arte, como a Bienal de São Paulo, é normalmente mais intimidante do que deveria ser. Mas o que faz a arte contemporânea tão "difícil"? Justamente o que ela tem de mais simples: a proximidade com nosso tempo. Diante dela, há pouca ou nenhuma perspectiva histórica. Por outro lado, se a apreciação é prejudicada, é nas obras contemporâneas que a relação entre vida e arte é mais forte.









"Roda de Bicicleta" (1913), obra de Marcel Duchamp
Imagem disponível em: http://www.infopedia.pt/$roda-de-bicicleta-marcel-duchamp




Cada vez que surgem obras "estranhas", realizadas em meios inéditos, como os trabalhos da fase cubista de Picasso —em que surgem as primeiras colagens— e os "ready-mades" de Duchamp, há um esforço da crítica para classificá-las. Ainda hoje isso acontece, com termos como webarte, videoinstalação e ambientes imersivos.

Geralmente, são os críticos que os inventam, mas os artistas também participam da criação dessa nomenclatura. Em princípio necessárias, as classificações podem, entretanto, levar a reduções ou rótulos empobrecedores, principalmente num momento como o atual, marcado pela mais desconcertante variedade de experimentações e incorporações de novos materiais e novas tecnologias.
O termo "moderno" designava, em sua origem, o que é atual, presente, que está acontecendo agora, seja em que tempo for. Assim, na Idade Média, ele diferenciava aquele momento da Antigüidade. Todas as épocas foram,  a seu tempo, modernas.
Assim, a chamada arte moderna surgiu no ocidente no final do século 19, mas a data escolhida para marcar o seu início foi 1905 (apresentação dos fauvistas no Salão de Outono, em Paris), ou a década de 1910, quando surgiram simultaneamente movimentos que romperam radicalmente os cânones da arte acadêmica.

Esses movimentos, conhecidos como vanguardas, tiraram sua denominação de um termo de origem militar e significavam o avanço de pequenos grupos de atores culturais sobre a grande massa da população, engendrando revoluções permanentes, até aproximadamente a Segunda Guerra Mundial. Foram os chamados "ismos": fauvismo, cubismo, futurismo, expressionismo, construtivismo, suprematismo, neoplasticismo, dadaísmo, surrealismo etc.Englobando a todos, o modernismo difundiu-se pelo mundo, integrando a América Latina a partir da década de 1920 —no Brasil, a Semana de Arte Moderna de 1922 é um marco dessa adesão. A modernidade dos latino-americanos desenvolveu-se com características próprias, mesclando a visão moderna com o mergulho nas raízes de uma identidade cultural. Exemplos indiscutíveis são as obras dos brasileiros Vicente do Rego Monteiro e Tarsila do Amaral.

Em 1929, foi inaugurado em Nova York o MoMA (Museu de Arte Moderna), concebido para abrigar obras de arte moderna, o que deu origem a inúmeros museus pelo mundo todo, inclusive no Brasil, onde os MAM de São Paulo e do Rio foram inaugurados na década de 1940. O espírito moderno consolidou-se, e é aceito que o modernismo teve seu ponto de maior estabilidade na década de 1950, quando as abstrações tornaram-se a expressão oficial da arte —exceto na União Soviética, onde imperava o realismo socialista.

Já os revolucionários anos 1960 constituem a fase tardia do modernismo, em processo de fragmentação. Surge a visão figurativa inédita da pop art, trazendo consigo uma avalanche de novos meios e novas atitudes, como objetos, ambientes, "happenings" e novas tecnologias, quase ao mesmo tempo em que se inicia o movimento conceitual, propondo uma imersão no lado secreto e desmaterializado das artes visuais —a arte como idéia.

Ainda nos anos 60 e 70, surge na arquitetura o movimento pós-moderno, que utilizava todo o repertório iconográfico da história da arte e rapidamente se espalhou para os outros campos artísticos. A partir daí, nos referimos à arte como contemporânea ou atual. É a arte que se apresenta nas Bienais, nos museus e nas galerias, em ininterrupta renovação, interagindo com política, filosofia, psicologia, sexualidade e tecnologia, além de influenciar publicidade, TV, moda e todas as faces da produção cultural.


10 aspectos da arte contemporânea


1 - Em 1910, o russo Wassily Kandinsky pintou as primeiras aquarelas com signos e elementos gráficos que apenas sugeriam modelos figurativos, uma nova etapa no processo de desmanche da figura, que se iniciara com Pablo Picasso e Georges Braque, na criação do cubismo, por volta de 1907. Assim, a abstração, uma representação não-figurativaque não apresenta figuras reconhecíveis de imediato— tornou-se uma das questões essenciais da arte no século 20.


2 - A "arte concreta", expressão cunhada pelo holandês Theo van Doesburg em 1918, refere-se à pintura feita com linhas e ângulos retos, usando as três cores primárias (vermelho, amarelo e azul), além de três não-cores (preto, branco e cinza). No Brasil, o movimento ganhou densidade e especificidade própria, sobretudo no Rio e em São Paulo, onde se formaram, respectivamente, os grupos Frente e Ruptura. Waldemar Cordeiro, artista, crítico e teórico, liderou um grupo com o objetivo de integrar a arte a aspectos sociais como o desenho industrial, a publicidade, o paisagismo e o urbanismo.


3 - O grupo Neoconcreto teve origem no Rio de Janeiro e teve curta duração, de 1959 a 1963. Ele surgiu como conseqüência de uma divergência entre concretistas do Rio e de São Paulo. Em 1959, Ferreira Gullar publicou um manifesto onde as diferenças entre os grupos são explicitadas, e a ruptura se consolidou, gerando um movimento brasileiro de alcance internacional. Entre os artistas mais conhecidos estão Hélio Oiticica e Lygia Clark, além do próprio Gullar.


4 - A aparição da pop art (ou novas figurações), na Nova York do final dos anos 50, foi surpreendente. Longe de ser uma representação realista dos objetos, ela enfocava o imaginário popular no cotidiano da classe média urbana e mostrava a interação do homem com a sociedade. Por isso, tomava temas de revistas em quadrinhos, bandeiras, embalagens de produtos, itens de uso cotidiano e fotografias. No Brasil, interagiu com a política e teve em Wesley Duke Lee, Antonio Dias, Nelson Leirner, Rubens Gerchman e Carlos Vergara seus expoentes. O site da Tate Gallery (www.tate.org.uk) traz bons exemplos internacionais.


5 - A arte conceitual trabalha os estratos mais profundos do conhecimento, até então apenas acessíveis ao pensamento. Nascida no final dos anos 1960, ela rejeita todos os códigos anteriores. No Brasil, o movimento conceitual coincidiu com a ditadura militar (1964-1985), e a contingência lhe deu um sentido diferente da atitude auto-referencial, comum nos outros países. Um dos artistas brasileiros mais ligados ao conceitual é Cildo Meireles, cujo trabalho foi estudado pelo crítico e curador americano Dan Cameron.


6 - A presença do objeto na arte começa nas "assemblages" cubistas de Picasso, nas invenções de Marcel Duchamp e nos "objets trouvés" (objetos encontrados) surrealistas. Em 1913, Duchamp instalou uma roda de bicicleta sobre uma banqueta de cozinha, abrindo a rota para o desenvolvimento dessa nova categoria das artes plásticas. Hoje em dia, os "ready-mades" —obras que se utilizam de objetos prontos— já se tornaram clássicos na arte contemporânea. Por aqui, a essas experiências começaram a ser realizadas somente nos anos 60, com os neoconcretos e neofigurativos.


7 - As instalações se caracterizam por tensões que se estabelecem entre as diversas peças que as compõem e pela relação entre estas e as características do lugar onde se inserem. Uma única instalação pode incluir performance, objeto e vídeo, estabelecendo uma interação entre eles. O deslocamento do observador nesse espaço denso é necessário para o contato com a obra, e é assim que a noção de um espaço que exige um tempo passa a ser também material da arte. Para um passeio virtual, visite o site do Museu de Arte Contemporânea (www.mac.usp.br) -acesso em Janeiro de 2012.


8 - Na forma como o compreendemos hoje, o "happening" surgiu em Nova York na década de 1960, em um momento em que os artistas tentavam romper as fronteiras entre a arte e a vida. Sua criação deve-se inicialmente a Allan Kaprow, que realizou a maioria de suas ações procurando, a partir de uma combinação entre "assemblages", ambientes e a introdução de outros elementos inesperados, criar impacto e levar as pessoas a tomar consciência de seu espaço, de seu corpo e de sua realidade. Os primeiros "happenings" brasileiros foram realizados por artistas ligados ao pop, como o pioneiro "O Grande Espetáculo das Artes", de Wesley Duke Lee, em 1963.


9 - Da integração entre o "happening" e a arte conceitual, nasceu na década de 1970 a performance, que se pode realizar com gestos intimistas ou numa grande apresentação de cunho teatral. Sua duração pode variar de alguns minutos a várias horas, acontecer apenas uma vez ou repetir-se em inúmeras ocasiões, realizando-se com ou sem um roteiro, improvisada na hora ou ensaiada durante meses. O precursor das performances no Brasil foi Flávio de Carvalho, que, em 1931, realizou sua "Experiência Número 2", caminhando em meio a uma procissão de Corpus Christi, em sentido contrário ao do cortejo e vestindo um boné.


10 - De difícil veiculação pela TV comercial, a videoarte tem sido divulgada pelo circuito tradicional das galerias e museus. Além dos pioneiros, Wolf Vostell e Nam June Paik, destacaram-se inicialmente as pesquisas de Peter Campus, John Sanborn, Gary Hill e Bill Viola.  No Brasil, as primeiras experiências foram realizadas nos anos 1970 e apresentadas por artistas como Anabela Geiger, Sonia Andrade e José Roberto Aguilar.

Cacilda Teixeira da Costa é doutora em artes pela Universidade de São Paulo e especialista em arte moderna e contemporânea. É autora de "Arte no Brasil 1950-2000" (Alameda Casa Editorial), "Livros de Arte no Brasil" (Cosac & Naify/Itaú Cultural) e "O Sonho e a Técnica" (Edusp).



 

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